terça-feira, 30 de novembro de 2010

A importância de uma boa tradução

Recentemente li o texto abaixo e parei para pensar no grau de importância de uma tradução. É verdade que normalmente só prestamos atenção nisso quando ela está repleta de erros e com concordâncias duvidosas, mas temos que engrandecer o trabalho quase nunca reconhecido dos tradutores, afinal eles são peças essenciais na produção de um bom livro.
Um bom livro mal traduzido é uma catástrofe e, como relata Paulo Geiger, a relação autor-tradutor quando combinada de forma complementar é praticamente a síntese da excelência. Segue abaixo o maravilhoso texto de Geiger.

Depois de traduzir para a Companhia quatro livros de Amós Oz, refiz meu conceito de que a boa tradução consiste em expressar num bom português aquilo que o autor expressara em sua própria língua. Aprendi que traduzir Amós Oz — e talvez isso valha para todo autor — é principalmente sintonizar com seus sentimentos, suas ideias e suas possíveis lembranças, entrar o mais possível em sua cabeça, seu coração e seu estômago, e escrever em português do mesmo jeito que ele escreveria se escrevesse em português.

Em Oz isso quer dizer, muitas vezes, relativizar “boas regras”, abrir mão de “textos redondos” para fazê-los ásperos e angulosos, nem sempre mantê-los fluentes porque são às vezes espasmódicos, não buscar coerência onde a incoerência é que prevalece.

Por exemplo:

Oz é repetitivo. Repete palavras, repete situações, insiste em certos termos, como uma nota em baixo contínuo; usa refrões, insiste em evocações recorrentes, porque assim acontece na vida e nas histórias que ele cria.

Oz mistura tempos verbais, o futuro como presente e até como passado, o presente como passado, às vezes num mesmo período, fazendo lembrar o estilo bíblico, mas sem a letra vav inversora da Bíblia, que faz o futuro valer como passado. O tempo gramatical em Oz é escravo, não senhor, do tempo literário. Um parágrafo pode começar tendo um sujeito como relator e terminar na voz de outro.

Oz nunca se refere a quantidades definidas, é sempre dois ou três, dez ou doze, porque a quantidade exata não é importante, os números só retratam conceitos, não quantidades.

Oz não dá importância a “continuísmos”, a trama não precisa ser coerente nos fatos, só na impressão que eles suscitam. Em Rimas da vida e da morte, um personagem é tio de um outro no início do livro, mas é primo no fim. Em Uma certa paz, uma mulher tem cabelos cortados curtos quando descrita pela primeira vez, mas os tem em bastas tranças que lhe coroam a cabeça “dois ou três” (à la Oz) dias depois. (Falei com o autor sobre o primeiro caso, ele respondeu que era proposital.)

Oz usa abundantemente a metáfora explícita, a comparação de situações com alternativas paralelas; as pessoas agem e as coisas acontecem “como que…”, “como se…”, ampliando a descrição do “real” com um substrato simbólico ou ilustrativo do “possível”.

As entrelinhas de Oz são quase tão poderosas quanto as linha escritas. Nelas habitam suas lembranças pessoais, os contextos históricos de Israel e do povo judeu, canções, poemas, lemas e slogans. Nelas se retrata a época, o lugar, o mood de uma geração.

Finalmente: em Oz, quem descreve a realidade (ou a máscara da realidade, como queria o teatro grego) não é o autor, mas seus personagens. São eles que dão o tom e a direção.

Por tudo isso, muitas vezes decidi comprometer a fluência, tão necessária na leitura de ficção, e acrescentar notas que permitissem ao leitor penetrar no mundo não visível mas tão presente na história, para usufruir do que é mais importante numa leitura, e fundamental em Oz: enxergar a totalidade do contexto, e nele ver um fragmento representativo do mundo e da humanidade.


Fonte: Blog da Companhia.

Um comentário:

  1. Olá Paloma,

    seu blog me chamou a atenção por aí na net, achei bem interessante, parabéns.

    Passarei a acompanhar e seguir para ficar a par das novidades...

    Ah, sou quadrinhista, e tenho blog de quadrinhos e cinema, sempre que quiser se livrar um pouquinho do tédio, dê uma conferida lá:

    http://hollweg-guiga.blogspot.com/


    Abraço,


    Guiga Hollweg

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